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Sequela

O grito morre na garganta e é enterrado. Lágrimas desfilam em procissão, o caixão vai fechado. Cadáver irreconhecível, depois de tanta batalha. Não era Ipiranga, não era revolução. Era a vida a vibrar mais forte, ao ritmo da pulsação. Os pontos arrancados a frio, o sal a temperar a carne viva. Cada batida, cada prego, cada passo para o fim. Eu quero. Eu também. Queremos todos, não empurrem. Cheguemos a tempo para ouvir o requiem. Mas quantas vezes teremos de o ouvir? Cansa. A certo ponto já o sabemos de cor, nota por nota. E já não serve de conforto, se é que alguma vez serviu. Então mudamos o disco, e esperamos que a mudança de banda sonora mude o filme também. Mudança de actores, mudança de argumento. Mas os créditos finais continuam a chegar, uns atrás dos outros. Não adianta contrariar. Rolam, e correndo bem a coisa vai haver outro filme a seguir. Esperando que o final também seja diferente. Esquecendo por algum tempo, pelo menos, que acaba sempre nos créditos. E aí chegados uma ve

Fraga

Estendo o corpo exaurido sobre a rocha Como farrapo velho ao sol a secar Da cabeça fluem os pensamentos Como uma nascente a jorrar Descem fraga abaixo Pelos ombros desta serra Sustenta-me a vida Sustenta-me a terra Aconchega-me o abraço do vento Com um manto azul infinito Acaricia-me a casca queimada Beija-me de leve a alma rasgada As cicatrizes de pele remendada Crónicas de cada batalha travada Em mausoléu transbordante de vida E de sonho, e de riso, e melancolia E quando a fonte pára de cantar Consigo ouvir a luz a sussurrar "Tudo está no seu lugar."

Eu sou eu.

Eu sou eu. Eu sou do pólen das plantas. Das abelhas que voam de flor em flor. Sou da música que os pássaros cantam. Das madrugadas tímidas e cinzentas E do ocaso em todo o seu esplendor. Eu sou do vento. Sou da dança dos ramos ao seu sabor. Dos lamentos das árvores entre o seu rumor. Eu sou da água. Da ondulação calma do lago. Das ondas furiosas do mar encapelado. Sou do sal que tempera o oceano. Da inconstância certa das marés. Eu sou do fogo que te aquece. Que consome a madeira na lareira. Que te incendeia a alma como aguardente. Eu sou da terra, mas não da Terra. Sou do Sol e da Lua. Sou poeira de estrelas. Sou do Universo. Eu sou do Amor. Fruto, filho e discípulo. Eu sou de tudo e não sou nada. Eu sou eu.
Raio de sol perpassa a pele Como papel de seda velho Escrito à mão por dedos vários Ferido por mil aparos E a tinta escorreu Veio de dentro e secou Mas o raio de sol aquece Aquece a alma errante Vagueante Entre hoje e o que há-de vir Mistura-se a luz do dia (Será hoje ou outra vida?) E a luz que estremece mas não apaga

My surrender

Steal my heart And I'll surrender my kiss You can take my every breath And the taste of my lips Capture my eyes And I'll surrender my voice I'll make you my only choice Through clear and dark skies Imprison my hands And I'll surrender my touch My caress and all my soul Upon the crown you wear tall For this is not a war, So I'll surrender my arms Just to lay inside the warmth Of the close embrace of yours

Casa

Abro os olhos devagar. Bem pelo cantinho fura um raio de sol. Estranho; fico estremunhado. Os olhos estavam fechados há tanto tempo que parecem não saber como se abrir. Toco o solo em meu redor. Arrefeceu. Convida-me a levantar. Os olhos perdem a sua escuridão e eu consigo ver. A luz vem de lá do fundo, depois dos ramos das árvores. Dissipa as sombras do medo; chama por mim. As correntes que me prendiam foram quebradas enquanto dormia. Quem as quebrou? E a luz insiste. Respondendo ao chamamento, os meus pés trôpegos decidem que afinal se lembram de como me carregar. Decididos. Determinados. Eles sabem o caminho, mesmo que eu o tenha tentado apagar da memória. Para me deixar algures. E não me ver mais. Mas afinal estou aqui. De corpo e alma. De quem são os pés que me carregam? São os de sempre. Desde que dei o meu primeiro passo. Passo ante passo, caminho entre as árvores que me acolheram, rectas na sua infinita sabedoria. Abrem alas para me abrir o caminho. Para me abrir o peito uma ve

III

Pedes que te conte um segredo. Mas baixinho, para não ouvires. Então a ponta dos meus dedos afasta o cabelo do teu ouvido. Ouves os meus lábios tocar levemente a tua orelha. Os teus olhos brilham, a tua atenção está ao rubro. E eu conto. Deixo escapar de um sopro só. Claro que sim, solta-se a voz e ele foge para aí. É prisioneiro de cela mal fechada e pena ainda pior cumprida. Seja sorte, acaso ou sina, não foi longe. Cortaste-lhe as pernas, salva-se a ironia. Aos teus ouvidos moribundos já não chega grito nem sussurro, e as mãos não sabem como dizê-lo. Linguagem gestual atrás de um espelho, para o emissário ver. As palavras vibram, exaltadas em silêncio. A sua monumentalidade a desaparecer na tua atenção. A tensão cresce -- e as lágrimas traçam linhas salgadas na nossa cara, umas atrás das outras, como se tentassem escavar rugas na pele macia. Passam os anos e o sal fica, cristalizado. Em algo de amargo. Em algo de doce. Um sabor de dor e de amor. E de lábios que se mexem sem ruído ca