Casa

Abro os olhos devagar. Bem pelo cantinho fura um raio de sol. Estranho; fico estremunhado. Os olhos estavam fechados há tanto tempo que parecem não saber como se abrir. Toco o solo em meu redor. Arrefeceu. Convida-me a levantar. Os olhos perdem a sua escuridão e eu consigo ver. A luz vem de lá do fundo, depois dos ramos das árvores. Dissipa as sombras do medo; chama por mim. As correntes que me prendiam foram quebradas enquanto dormia. Quem as quebrou? E a luz insiste. Respondendo ao chamamento, os meus pés trôpegos decidem que afinal se lembram de como me carregar. Decididos. Determinados. Eles sabem o caminho, mesmo que eu o tenha tentado apagar da memória. Para me deixar algures. E não me ver mais. Mas afinal estou aqui. De corpo e alma. De quem são os pés que me carregam? São os de sempre. Desde que dei o meu primeiro passo. Passo ante passo, caminho entre as árvores que me acolheram, rectas na sua infinita sabedoria. Abrem alas para me abrir o caminho. Para me abrir o peito uma vez mais. Porque aqui jazia a semente que plantei há tanto tempo atrás. Como cresceu… Acaricio as folhas que brotam dos seus ramos. Cheiro as suas delicadas flores, como que coroada de grinalda. Recolho o fruto solitário. Único. É tempo de voltar onde pertence. O seu calor é o calor do meu peito. Mas a luz está ainda mais além, e eu vejo onde quero chegar. É aqui que o caminho leva. É aqui que o sol brilha. Aproximo-me. Oiço a música dançar o meu nome pela porta entreaberta. Os meus olhos sorriem e eu entro. E, com amor na voz, digo-te “estou em casa”.

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