Sequela

O grito morre na garganta e é enterrado. Lágrimas desfilam em procissão, o caixão vai fechado. Cadáver irreconhecível, depois de tanta batalha. Não era Ipiranga, não era revolução. Era a vida a vibrar mais forte, ao ritmo da pulsação. Os pontos arrancados a frio, o sal a temperar a carne viva. Cada batida, cada prego, cada passo para o fim. Eu quero. Eu também. Queremos todos, não empurrem. Cheguemos a tempo para ouvir o requiem. Mas quantas vezes teremos de o ouvir? Cansa. A certo ponto já o sabemos de cor, nota por nota. E já não serve de conforto, se é que alguma vez serviu. Então mudamos o disco, e esperamos que a mudança de banda sonora mude o filme também. Mudança de actores, mudança de argumento. Mas os créditos finais continuam a chegar, uns atrás dos outros. Não adianta contrariar. Rolam, e correndo bem a coisa vai haver outro filme a seguir. Esperando que o final também seja diferente. Esquecendo por algum tempo, pelo menos, que acaba sempre nos créditos. E aí chegados uma vez mais, fazemos o balanço e começamos de novo. Andamos na corda bamba, tentando manter o balanço. Com o peso de sabermos o final dos filmes anteriores. Antes não soubéssemos. Ficar na ignorância, na ingenuidade, na inocência, para acreditar sem duvidar. Antes da primeira ferida lambida, antes da primeira cicatriz, antes da mutilação. Antes de ser de outrem o reflexo que nos devolve o espelho.

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